O espetáculo é o momento em que a mercadoria chega
à ocupação total da vida social. Tudo isso é perfeitamente visível com relação à mercadoria, pois nada mais se vê senão ela: o mundo visível é o seu mundo.(Guy Debord)
Quando a gente não pode fazer nada,
a gente avacalha
(Rogério Sganzerla)
A diferença entre o sublime e o ridículo é ínfima, mas com certeza existe, e é enorme.
No mundo mercantil que hoje tudo abrange, tudo é mercadoria, incluindo pessoas e arte. Tudo devém instrumento e pretexto para transformar dinheiro em mais dinheiro, e a única liberdade genuína é a de morrer de fome.
E se há uma definição que abrange pessoas e arte é não servirem de nada para além de sua própria auto-realização inútil – inútil mas sublime, mesmo quando ridícula.
Daí que nesse mundo as pessoas só tentam existir, e não há mais arte, mas escombros entre os quais as pessoas vagueiam transidas como após uma grande catástrofe.
O cinema foi a primeira arte desse tempo. Foi a primeira a corporificar com perfeição o espírito da reprodutibilidade técnica que está no âmago da sociedade mercantil. E o cinema é a repetição da imagem, e a imagem é a contra-face da mercadoria.
A totalidade, no entanto, não existe. Há sempre o resto irredutível feito de anseios impossíveis, que se bate sem descanso por expressão. Ele pode ser mantido latente sob a mais brutal violência mas acaba inevitavelmente por florescer, e se suprimido ele floresce de novo, como um olho d’água de onde brotam sonhos.
A esse movimento o sistema dominante chama subversão. Nele, o mais pungente instrumento do sistema pode ser transcriado em agente subversivo. E num mundo feito escombros é o próprio lixo que deve ser transcriado.
Extrair o sublime do âmago do ridículo; na centro da alienação fazer eclodir o desejo; nos catadores de lixo, buscar os criadores de mundos.
E não recuar diante do fracasso ou do risco do fracasso, mesmo ao preço do ridículo, mas buscando o sublime.
O cinema foi, portanto, o primeiro paradigma dessa contradição, foi o início da superação da arte do passado. Repetição da imagem que aliena, mas repetição diferencial, seu apelo ao fechamento carrega uma ânsia de abertura, que é o outro nome do desejo.
Na vida como no cinema. De imagens fragmentárias que pertencem ao passado, construir uma nova utopia do desejo.
Enquanto isso, o único compromisso é o não compromisso.